sexta-feira, 15 de julho de 2011

Nós que viemos de longe

por: Sapiran Brito

[23H:32MIN] 15/07/2011 - OPINIÃO

Chovia naqueles dias, quando Dom Diogo andava por aqui. O nobre fidalgo português, homem de inteira confiança de Dom João VI vinha com a missão de assegurar para o império a província Cisplatina.


Desde a aventura portuguesa da Colônia de Sacramento, os espanhóis de Buenos Aires disputavam este território, o que fez que fundassem Montevidéu. Estas terras viviam, naqueles dias, em permanente conflagração com a movimentação dos exércitos e o nosso povo de então, gaúchos sem pátria ou família, descendentes de índias desamparadas e euroupeus abusados, pagavam a conta com o sacrifícios de suas vidas. Sob esse signo nascemos, o que nos faz, historicamente, frutos da guerra.
Há 10 mil anos que estávamos aqui, abrigados nas etnias de pampas, charruas e minuanos que guerreavam entre si pequenas guerras, que, com a chegada dos europeus, transformaram-se em guerras monumentais, verdadeiros genocídios como o que aconteceu com Sepé Tiaraju e sua gente guarani.
Isolados do resto do Brasil, vivíamos nós, suportando temperaturas de 40 graus no verão e abaixo de zero no inverno. Isolados pela distância das metrópoles Rio de janeiro, Montevidéu e Buenos Aires. Nos dias da passagem do Exército Pacificador, que se deslocava por aqui para garantir o território brasileiro, chovia, tanto ou mais, quanto chove hoje, nesta época. Não tínhamos asfalto e nem paralelepípedo, e as vias eram verdadeiros mar de lama e só a superação tornava possível a existência de seres humanos nesta paragem. Saúde e condições sanitárias, nem pensar; alimento, só a caça, algumas frutas silvestres e o gado chimarrão, herança da vacaria do mar. Os jornais e cartas chegavam aqui dois ou três meses depois e outras formas de comunicação não existiam. Só gente muito atrevida e guapa conseguia sobreviver nestas plagas. Essa é a nossa grande herança. Sobreviventes apesar de tudo. Quando Dom Diogo, no dia 17 de julho de 1811, decidiu prosseguir sua marcha com destino a Maldonado, teve que deixar por aqui parte do seu exército de cinco mil homens. Ficaram as mulheres, as crianças, os inválidos e os doentes, desses que foram cruzando com a indiada formaram o povo de Bagé.
De lá pra cá, passado 200 anos, ou se quiserem, 10 mil e 200 anos, as coisas não mudaram muito, porque se nós, comparando-nos a outras cidades, somos campeões em termos de condições desfavoráveis. Contrariando essa realidade, nos constituímos enquanto povo, e fomos nós que asseguramos a ocupação do território fazendo, com isso, que o Brasil fosse maior. Sim, essa conta a nação nunca nos pagou e, hoje, somos a capital da Metade Sul, uma das zonas mais pobres do país. Mesmo assim, resistimos e resistiremos, ninguém há de nos tirar daqui e, sim, muito outros virão juntar-se a nós e todos serão bem-vindos, porque os que aqui chegaram e chegarão são tão brasileiros e bajeenses quanto nós. Jamais falharemos ao Brasil e este país tem que entender, um dia, que, além de assegurar fronteiras, nós, de Bagé, moldamos o modelo cultural do gaúcho rio-grandense, este estado emblemático e geopoliticamente decisivo na formatação do estado nacional.
Estivemos presente nos principais acontecimentos históricos desta nação. Desde a Guerra do Paraguai até a Guerra de Canudos. Somos, enfim, os desvalidos, os sobreviventes, e, com muito orgulho, colocamos no peito esta medalha. Como se tudo isso não bastasse, é grandiosa a nossa colaboração à arte e à cultural nacional. Lá fora nos chamam de grosso, mais dificilmente se encontrará no Brasil uma cidade tão refinada e tão culturalmente evoluída como a nossa. Que nos abandonem, pouco importa. Continuaremos aqui, fiéis, leais e altaneiros e, parafraseando o poeta Jaime Caetano Braum, vamos dizer aos demais: “sou bajeense e me basta”.

FONTE JM

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