por: Cláudio Falcão
[19H:08MIN] 05/11/2010 - HSITÓRIA
O passar dos anos se encarrega de tornar mais fraca a memória da comunidade e de quase apagar a trajetória de vultos do passado.
Adão Latorre, o célebre bajeense que lutou nas revoluções de 1893 e de 1923 é um desses esquecidos. Seu túmulo, no Cemitério dos Anjos, recebe poucas visitas. No último Dia de Finados algumas velas foram colocadas em sua lápide por algum nostálgico. O cemitério se situa em propriedade particular e não está sob a responsabilidade da prefeitura. A pouca manutenção é feita pelos familiares dos mortos ou pelos proprietários da área que não podem se responsabilizar integralmente por esse tipo de cuidado. Mesmo assim, o cemitério pode ser visitado por qualquer um, desde que solicite permissão. Em dias especiais, como Finados, a entrada é livre. Adiante do Cemitério dos Anjos, na mesma estrada do Passo do Tigre, fica o Cemitério da Guarda, onde está sepultado outro personagem histórico: Chico Diabo. Em seu túmulo está a placa fixada pelo Núcleo de Pesquisas Históricas Tarcísio Taborda. A aparência da sepultura permite supor que é muito visitada. O local, sem dúvidas é de mais fácil acesso. O cemitério está sob responsabilidade do poder público municipal. O que se nota, entretanto, é que tanto um como outro, necessitam de mais cuidados. A biografia de Latorre até hoje divide opiniões e gera debates polêmicos. A História é escrita pelos vencedores para os compêndios oficiais, mas é contada, também, pelos vencidos.
Como breve relato para esclarecer o contexto da época, Fagundes Cunha explica: “Maragatos e Pica-Paus, os dois grupos que alimentaram a guerra civil de 1893/1894, encontravam-se apoiados em razões muito diversas. Os Maragatos, também chamados federalistas, afirmavam-se vítimas da ditadura de Júlio de Castilhos, o “bárbaro togado”, fiel seguidor de Auguste Comte e do Positivismo. Como presidente do Rio Grande do Sul, insistia que os adversários precisavam ser punidos, sem piedade, em seus bens e em suas próprias pessoas. Partidários da república parlamentarista e do fortalecimento do ente federativo, seus líderes principais eram Gaspar Silveira Martins, inflamado tribuno dos tempos do Império e ideólogo do novo sistema, mais José da Silva Tavares e Gumercindo Saraiva na condição de generais ou cabos-de-guerra”. Estabelecida a vitória dos legalistas (Pica-Paus), e de acordo com a cartilha positivista, todos os expoentes maragatos foram, de certa forma, apagados ou diminuídos no contexto histórico. Note-se o nome das ruas da cidade onde os líderes maragatos são em menor número. Nesse mosaico, que é a memória, Adão Latorre sobrevive. Sua biografia é escassa e pontuada de afirmações pouco elogiosas referentes à sua suposta crueldade. Aos olhos contemporâneos a “Revolução da Degola” (1893) foi página das mais cruéis. É evidente que o ato em si é cruento, mas é preciso levar em conta o contexto da época. Paupérrimas provisões de munição, desgaste físico gigantesco face ao clima inclemente, embrutecimento moral e psicológico fruto da violência da guerra levavam à prática da “colorada” entre as fileiras revolucionárias. Se do lado maragato era assim, que dizer dos Pica-paus que decapitaram Gumercindo Saraiva, irmão de Aparício?
O episódio é atribuído ao comando de Firmino de Paula, pica-pau de destaque.
O que fica claro é que os massacres eram de ambos os lados. A famosa degola do Rio Negro, aqui perto de Bagé, faz a figura de Latorre ser realçada pela frieza nas execuções. Relatos dão conta que seriam 300 prisioneiros legalistas degolados, cifra controvertida pela falta de comprovação. Tanto que o historiador bajeense, Tarcísio Taborda, em aprofundada pesquisa, concluiu serem 30 execuções. Nessa ocasião, Latorre teria 58 anos de idade. Os pica-paus, por sua vez, em Palmeira das Missões, venceram o combate do Boi Preto, no Capão da Mortandade. Sobre esse fato é relatado que os prisioneiros maragatos foram atados com tentos e postos em marcha com a coluna vencedora. No caminho eram degolados e os números indicam cerca de 250 execuções (artigo de Tupinambá Nascimento, desembargador aposentado do TJRS). Como se pode notar, a herança positivista se encarrega de “laurear” os maragatos vencidos com a pecha de bárbaros cruéis. E nesse panteão, desponta Adão Latorre, que morreu em combate, em Dom Pedrito, com pouco mais de 80 anos, na revolução de 1923. A tapera de sua casa se decompõe e desaparece, aos poucos, silenciosa, à beira da estrada. Poucos vão visitar sua tumba e aos poucos ele vai sendo esquecido.
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