segunda-feira, 18 de abril de 2011

LENDAS DE BAGÉ

A LENDA DE IBAGÉ E NOMAÍHICI - Bagé - (Colab. Sarita Barros)
In ANTOLOGIA FESTILENDA, lenda contada por Sheila Corrêa

Existe nas plagas do sul uma cidade encantada. Envolta em verde imensidão de planícies e serranias, a desdobrar-se em hospitalidade, graça e sedução.
Dizem que nessa cidade, há muitos e muitos anos, foi lançado um sortilégio, de modo que nenhum forasteiro possa esquecer-se jamais de que um dia a tivesse visitado. E que por isso leve consigo para sempre uma lembrança tão grata e inesquecível, que se transforme, por magia, num desejo incontrolável de regressar para revê-la o quanto antes.
Esta história começou com uma festa de noivado. O guerreiro Ibagé acabara de pedir em casamento uma bela índia tuxaua, chamada Nomaíhici.
A tarde de primavera parecia regozijar-se com aquela cerimônia. Os anciãos ofereciam a primeira cuia de vinho aos noivos, e todos dançavam e cantavam, quando, de repente, chegou um mensageiro esbaforido.
Guenoas e Guaranis estavam próximos. O ataque traiçoeiro seria inevitável. Não havia tempo a perder.
O destino se atravessava cruel nos planos de felicidade do jovem par.
Ibagé queria que Nomaíhici fosse se esconder na mata com as outras mulheres e as crianças. Mas ela, apaixonada, preferia morrer à simples possibilidade de nunca mais tornar a vê-lo. E foi junto. Montados a cavalo, à frente da tribo, partiram Ibagé e Nomaíhici para a guerra.
Uma légua depois, foram atacados pelos ferozes inimigos. Nessa luta desigual, Nomaíhici foi a primeira a tombar.
Quando o combate findou, desbaratado o adversário à custa de muito sangue e heroísmo, Ibagé encontrou a noiva caída. Nos olhos semi-abertos, a imagem da festa de noivado, os guerreiros dançando alegremente, nos lábios ainda um sabor de vinho e de beijos. O peito onde brincara o amor, atravessado por uma flecha mortal.
Ibagé chorou muito, tomou-a entre os braços, chamou-a pelo nome, mas depois guardou-se em silêncio profundo ante vontade suprema do Criador do Universo. Até a natureza parecia comovida com a dor do valente guerreiro. Nenhum estalido de folha seca se ouvia. Nenhum chilreio de pássaro. Nada. Até os animais ferozes se calaram, enquanto ele carregava por entra a floresta o corpo de Nomaíhici para devolvê-lo aos pais.
Ibagé sofreu muito de amor e saudade, por anos a fio, até que também viajou à terra do Sem Mal, onde vivia sua amada.
Foi então que Tupã, compadecido, quis prestar-lhe uma última homenagem, erguendo em seu nome um grandioso mento, a cidade de Bagé. Escolheu um local privilegiado, ali onde termina o Rio Grande e começa o Uruguai, lançando sobre ela o sortilégio da benquerença, de modo que até os dias hoje, quem conhece Bagé não poderá esquecê-la jamais.
Estará fadado irremediavelmente a voltar; e sempre e sempre voltar.
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A LENDA DO RIO DAS LÁGRIMAS - Bagé - (Colab. Sarita Barros)
In MITOS E LENDAS DO RIO GRANDE DO SUL – Antônio Augusto Fagundes

Não é um grande rio - antes, quase um arroio. Bonito, cristalino, nasce no município de Bagé, na fronteira sul do Estado, em pleno pampa, como afluente do rio São Sepé.
E não nasceu por acaso.
Durante a Guerra das Missões (1750/1756) os índios guaranis, animados pelos padres e comandados por Nicolau Nhenguirú, o cacique Alexandre e pelo próprio José Tiarayu, o Sepé, tentaram impedir que os Sete Povos das Missões caíssem nas mãos dos portugueses. Para isso, as tropas européias não poderiam passar de Santa Tecla, nas terras de Bagé. Se passassem, nada poderia impedir que entrassem nas Missões, de cujos campos dizia Sepé Tiarayu: "Esta terra é nossa! Nós a recebemos de Deus e de São Miguel".
Pois os exércitos unidos de Espanha e Portugal, vencen¬do a heróica resistência dos missioneiros, passaram. Nesse dia, derrotado, Sepé sentiu que tudo estava perdido. Perdidos os Sete Povos, as casas e as igrejas, as lavouras e as estân¬cias. Perdidos os índios, seus lares e suas famiias. Perdida, enfim, a terra que tanto amavam. Co ivy fiandê retã! Esta terra é nossa!
E Sepé chorou.
De suas lágrimas, as próprias lágrimas da terra vencida nasceu um rio. E ele disse: Chereçá y apacuí. Chereçá y. Rio das lágrimas que eu chorei. Rio das minhas lágrimas.
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O MONSTRO DE PANELA DO CANDAL - Bagé - (Colab. Sarita Barros)
In LAGOA DA MÚSICA, (excertos), Pedro Wayne

É um bicho de imensidão de metros, todo ele cobra de um olho só. Não é bicho do mundo, afirmam gaúchos experimentados e vividos que têm se largado a caminhar e até pelo Paraguai já andaram.
Tranqüilo vivia sem ser molestado, porque não havia garras ou dentes, por aguçados que fossem capazes de se atreverem a enfrentar sua força disforme. As feras o respeitavam e os bugres convencidos estavam de suas flechas resvalarem na grossura invulnerável daquele couro rijo e escorregadio, sem sequer arranhá-lo. Pouco se afastava de perto dos rios, procurando as funduras maiores onde seu corpo coubesse e pudesse ficar só com a cabeça de fora. Ao entrar nas águas estas marulhavam como se estivessem gemendo, esparramando-se pelas margens, sacudindo-se de ondas.
Tão pacato que não agredia nem matava, até mesmo que fosse para comer. Não sabia o que era gosto de carne, alimentando-se de raízes e frutos silvestres, de folhas e talos, do mel no oco dos troncos.
Quando nos dias de inverno o sol descia em calor apetecido e procurado, estendia-se inerte e sonolento, gozando o doirado banho de luz e mormaço. Ocasião em que, confiantes vinham os bugrezinhos montá-lo e sobre seu dorso brincar, ou então os filhotes de sorro o rodeavam latindo e pulando, fazendo-lhe agrados.
Mas um aldeamento começou a se formar.
As armas de alcance deixaram de se compor apenas de arcos cujas flechas se lhe tocassem, mesmo de perto disparadas, lhes eram inofensivas. Os homens do Tenente-General Dom Diogo de Souza, haviam-lhe feito sofrer as conseqüências do chumbo.
Retirou-se das proximidades dos cerros, para livrar-se dos que ali se instalavam, refugiando-se na parte íngreme da Panela do Candal.
Metido nas tocas escuras dos rios, encurralado em acanhadas aberturas de erosões das águas, começou a curtir fome.
O aldeamento passara a freguesia. Multiplicava-se a população. E a poucos metros da Panela do Candal, haviam levantado capelinha tosca, de torrão e palha, onde se aglomeravam os fiéis em torno da imagem de São Sebastião. Crescia para ele o risco, desapareciam de todo as possibilidades de ainda poder sair para um pouco que fosse de liberdade. Vezes vinham que o Rio Bagé não agüentava mais em seu leito o peso demasiado das chuvas que caíam e então se escarrapachava invadindo tudo, represado se intrometia pelas tocas das barrancas, afogando os animais que nelas se achavam.
Por várias ocasiões esteve a ponto de ser asfixiado, debatendo-se com a violência das torrentes que jorravam corredor a dentro submergindo o corpo, deixando a cabeça de fora, oculto entre as ramas dos sarandizais das margens. Mesmo assim acontecera ser identificado e punham-se a caçá-lo. Para escapar de ser trucidado, via-se obrigado a longos mergulhos, neles permanecendo até que agoniado, estrangulando-lhe a falta do que respirar, não podendo mais suportar a aflição que o acometia, sôfrego, em rápidas escapulas, bastando apenas para absorver um pouco de oxigênio, voltava à tona e novamente imergia, para a repetição do tormento.
Como fugia sempre, seus perseguidores foram dispensando a prudência de atacá-lo de longe. Chegavam-lhe em cima para feri-lo.
Chagas que não mais cicatrizavam espalhavam-se em suas carnes doridas, enquanto outras iam sendo abertas nas agressões contínuas com que o maltratavam.
Deixando indícios por onde passava, marcando seu trajeto com o sinal vermelho do sangue que perdia e do qual vivia lambuzado.
As águas em que mergulhava manchavam-se de nódoas coloradas.
Matilhas de cachorros atiravam-se a nado, contra ele investindo, procurando mordê-lo e, embora não o conseguissem, seriam para aviso aos homens que, assim guiados, vinham descobri-lo e mantê-lo nessa inquietação sem trégua.
Quando baixavam as enchentes, a guarida da barranca em que se encobria, não mais o salvaguardava da sanha perseguidora desencadeada contra sua existência.
Haviam-no localizado e como não se animassem a penetrar na escuridão assustadora do buraco, neste encostavam as canoas e em sua entrada faziam fogo com bosta de vaca e bastante ramas verdes, desprendendo rolos de fumaça que o iam afligir e envenenar, enquanto os canoeiros de armas prontas o esperavam que saísse. E, um pouco a necessidade e outro pouco a revolta lhe foram modificando a mansidão.
Até que um dia, com as entranhas roídas pelo jejum, cansado de se ver preso em baixa e estreita cova semi-enxarcada, quando lá fora o campo e o sol que tanto amava continuavam amplos e generosos, cabendo a todos, mortificado pelas lancinantes úlceras que se infestavam de insetos a picá-las e nelas desovarem, corroendo-as com as larvas em efervescência evolutiva, endoideceu de vez e, num bote rápido, colheu em seus colossais anéis compressores a carroça com dois cavalos e o rapaz que a guiava, fazendo-os desaparecer nas águas da Panela do Candal, esmagando-os e arrastando-os para o subterrâneo.
Escuro, feio, repelente, escancarando a goela vasta como um abismo traiçoeiro, pondo à mostra as ameaçadoras presas pontiagudas e maiores que punhais, se pôs a fazer frente a quantos o surpreendiam.
E, se travou a luta corajosa entre o homem decidido e destemeroso e o bicho cujo furor o arrojava a se bater com denodo.
Teve mesmo um período de desatino tão grande que deixou de cuidar que não o vissem, expondo-se a percorrer os lugares mais freqüentados pela população.
Chegando sua audácia ao ponto de uma feita ir perturbar o ofício fúnebre que o Padre José Loureiro realizava na capelinha de torrão e palha.
Surgiu despedaçando as portas do templo e reduzindo as velas a uma massa desfeita.
E, naquele mesmo local, onde muitos anos mais tarde, o cerco federalista faria se travar homéricos combates, desenrolou-se encarniçado encontro entre o enfurecido monstrengo e os povoadores da nascente cidade, em que ficou bem manifestado não ser aquele, cobra desse mundo. E sim, prodígio, mostrando como se enroscava em volta dos que sentenciasse sem ser preciso escorar-se em árvore.
Lanças e espadas entortavam-se e quebravam-se nas mãos raivosas que as brandiam, deflagravam as garruchas e os mosquetes e o bicho, em meio corpo levantado atendia a todos, numa atividade de raio enlaçava o cristão pelas paletas, quebrava-lhe a espinha, jogando-o longe e já também estava com outro seguro.
Até que, ao se baixar para envolver um rapazote, este numa gingada brusca esquivou-se de ser apanhado e, com o coto de lança que trazia firme no punho, varou-lhe a pupila, arrancando-lhe um olho.
Com a visão desacomodada pela inopinada falta de um de seus órgãos, errava os golpes, desferindo-os a esmo, pressentindo-se sem defesa, inutilizado para prosseguir na aferrada peleja, abandonou-a.
Escolhera-se para munir-se de toda a sua elasticidade e, num ímpeto instantâneo, aquela imensidão de peso e tamanho transportou-se pelos ares, jogando-se na Panela do Candal.
As águas do Bagé em violento ribombo espadanaram, molhando longe, como se uma chuvarada, em que se misturavam peixes de todos os tamanhos, houvesse se desencadeado.
Mas as tremendas conseqüências desses atos, moderaram-lhe a intrepidez, fazendo recolher-se ao abrigo e despertando-lhe o desejo de uma evasão.
Assim, a precisão de poder espichar-se para descansar e a ânsia de locomover-se, de atingir uma outra saída o ensinaram a derruir as paredes de terra frouxa de sua toca e, num trabalho paciente e constante, escavando sempre, foi aumentando aquele túnel que por fim atravessando a cidade pela parte sul, desembocou muito longe dela, em campanha deserta, na beira da majestosa Lagoa do Umbu que vai pouco adiante formar o traiçoeiro Passo do Espantoso, num leito de laje, escorregadio e logrero.
Trinta anos de agonia levou na obra insana de cavar a passagem que, por baixo do chão hoje liga estes dois pontos do município.
Também, no dia em que com seu único olho viu a claridade surgir no rombo final da lenta escavação, sentiu o que só a ressurreição poderá fazer alguém sentir.
Ao tombar a última camada de terra e, tão logo a brecha se fendeu, jogou-se no mais rápido e impulsionado pulo que até então havia dado, ganhando ao campo no alívio de encontrar-se solto.
Deslumbrava-lhe a festa agreste a que retornava. E, um penetrante embevecimento o acometia de maravilhosa estupefação, sensibilizando-o tão atordoantemente que se lhe paralisava a faculdade coordenadora da ação.
Mas durou poucos instantes o desfalecimento que o prostrara. Despertou ainda confuso, refazendo-se em seguida. Já com nítida e perfeita certeza adquirira em suas reflexões o domínio do panorama, distinguindo-o normalmente.
Começou a sentir um vazio de fome a inquietá-lo. O cheiro de erva fresca que a aragem espalhava, a atmosfera sadia, oxigenada, que havia recuperado depois de tantos anos de reclusão sufocante, ativava-lhe o apetite.
Estava, porém escrito que seu comodato de liberdade fora inexoravelmente cassado pelos designos que regem os fados das criaturas.
Homens saíam da Freguesia e iam construir ranchos pelo interior da região..
Periclitava sua segurança. Recomeçava seu desassossego. Certa tarde, de trás de uma reboleira, sem que ele pressentisse, arrebentaram tiros e gritarias, ferindo-lhe a bala que, tendo-lhe penetrado sem sair, ficou formando calombo duro e ardente.
Voltou a se embrenhar no subterrâneo que pensara poder abandonar de um todo.
E até hoje, anda a percorrê-lo, ora se detendo por algum tempo na Panela do Candal, ora fazendo ponto na Lagoa do Umbu. E, a parelha de cavalos de raça, luzidia, amestrada, valendo uma fortuna ao circo que estacionara em Bagé, a lavadeira, a criança, os dois militares, o pescador, os tropeiros, uma infinidade de novilhos, os bois mansos, vacas e terneiros, tantas e tantas vidas, embarcações, carretas, carroças, sumidas em inexplicável sorvedouro sem que dos cadáveres e dos veículos que os conduziam nem rastro ficasse.
Bem há pouco, durante uma quinzena em que se desaveio com seu natural, deu pinotes e se torceu tanto no que passa embaixo da Matriz, que rachou paredes, fez cair rebocos, alteou piso, descascou pinturas e se não calçassem às pressas a igreja ela desabaria.
Daí começou a criar fama.
A ser citado pelas calamidades cometidas. Porque, enquanto foi submisso, sofrendo nos encontros fortuitos com seus algozes as mais duras penas, sem reagir, sujeitando-se com resignação a espingardeamentos que quase o matam, não se propalou a estóica brandura de que era dotado.
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LAGOA DA MÚSICA (Lenda de Bagé) - Sarita Vicencio Barros)

Lagoa da Música em que há um instante em que cessa a barulhada do mato e a própria correnteza das águas se modera até silenciar por completo. Em que, repentinamente, um atento e religioso respeito se apossa de tudo o que estava em rebuliço e algazarra. E quando chegando às dezesseis horas, vai se realizar o antigo rito do encantamento daquelas águas.
Então, lá do fundo de certo trecho da Lagoa, vem um som harmonioso que pouco a pouco vai aumentando de intensidade até que aflorando à tona, estruge forte e enérgico, deixando atônitos os que não estão acostumados com ele.
Mas os dali, sabem que é o encantamento produzido pelo sangue de trezentos e muitos gaúchos degolados, com seus corpos atirados na Lagoa, que está se realizando. Sabem que numa tarde inteira e numa noite letra jota. O que em vez de jota pronunciava rota era castelhano e recebia incontinenti o aço afiado que lhe abria o talho de orelha a orelha. Negro Adão, de poncho largo atirado por cima dos ombros para as costas, firmava a ponta da faca bem chairada embaixo do nariz da vítima e quando
esta instintivamente levava a cabeça para trás com perícia de bom conhecedor do ofício lhe era desfechado o rápido e profundo talho no pescoço. Esguichando sangue, o ferido irremediável, ainda caminhava alguns passos antes de cair. Mas não só os castelhanos foram imolados. Muitos brasileiros estavam na lista das vinganças e passaram a fazer parte dos trezentos e muitos daquela tarde suja de sangue e noite de lodo vermelho sobre a relva. Negro Adão, bronco como era, trazia no peito ferida braba recém-aberta que não lhe dava trégua ao sofrimento, é que não fazia muito, gente daquela força que ali estava rendida degolara um filho seu. Se até os bichos se enraivecem e investem em desatino se lhes ferem as crias, quanto mais um homem guerreiro ao encontrar o cadáver mutilado de um filho!
O último a ser sacrificado, foi o rapazinho adversário que na hora da rendição tocara o clarim mandando "cessar fogo!" Foi destemido e macho de verdade na hora da morte como o tinha sido nos momentos de bala e pólvora e nas ocasiões tilintantes de espadas se chocando em lanças. Cabeça erguida, voz firme e insultante, ordenou ao preto carrasco: - Degola, negro malévolo que um gaúcho não se achica! Na fita branca de seu chapéu de abas largas, tinha a legenda atrevida: "Não peço nem dou vantagens!". Seu corpo deformado afundou nas águas da Lagoa, encerrando aquele trágico episódio. Desde aquele dia, sabem os moradores do Rio Negro que, na mesma hora em que, no combate feroz e prolongado, foi dada a ordem de rendição, a alma do jovem combatente vem do fundo da Lagoa, subindo lentamente, enquanto seu clarim repete as mesmas notas do toque de "cessar fogo!" Os incrédulos dizem que os sons harmoniosos ali ouvidos, nada mais são do que fenômenos de acústica. Os incrédulos, homens que lêem livros complicados e enredadores, ignoram por certo que a água das lagoas e dos rios, na campanha, guarda consigo o espírito dos gaúchos valentes que sinceros são pela liberdade de seu povo...

In LAGOA DA MÚSIDA, (excertos), Pedro Wayne DEGOLA - (Bagé - Rio Grande do Sul - 1893)
Palco, cenário, platéia : Sangue-Morte-Tropel. DE GOOLAAAA!

Guerra-entrevero
irmão contra irmão.
Federalistas?
Republicanos?
Maragatopicapau!
Intransigência
Barbárie ou civilização?
Cultura importada
varrendo o pago
em arrastão?
Verdes pastos coloreados...
Assassinos, afiados facões.
Jugulares abertas
maculam lagoa
Cristalinas águas
em sangueira só!
- DE GOOLAAAA!
GOOLAAAA!
LAAAAAAA!

DEGOLA II - Revolução de noventa e três - "Maldita epopéia"> - Homens feito feras.-
Abrem-se os infernos
Demônios se espalham
tomando conta das gentes!
Diabo Negro gargalha
Galopando planuras
cumprindo ordem dalgum
Chacina insana comanda.
Vento sopra melenas
confundindo
seus lamentos
aos uivos de Latorre
- DEEEEGOOOLA!
Ouvem-se gemidos
suspiros, relinchos.
Homens, demônios, cavalos
agitam-se em meio à noite
sentindo presença da morte
em orgásmico galope!

DEGOLA III
Mares d'esquecimento
Densas brumas envolvem
Bagé cidade fronteira
difusos mundos reúne.
Lendas Mito Crendices
História por resgatar
Causos d'assombramento
atravessam gerações
sussurrados pelo vento
unindo céu+inferno
em nossos corações.
- Lagoa da Música
teu plangente murmúrio...
é choro de donzela
soluço de marmanjo?
- É chamada de clarim...
de corneteiro mirim!

DEGOLA IV
- E o Baú da Esperança?
- Foi degolado também
Brancas peças murchando
Co'a mão que as bordara
Em noites de solidão.
- E a paz que não volta?
- Foi degolada também
Junto a bela lagoa
Quando fúria ensandecida
Varreu nosso RIO GRANDE
Em vendaval de paixões!
- E o teu canto Bagé?
- Foi degolado também
Junto a gargantas cortadas
Em tempos de triste história
fechada a sete chaves
pelo guardião das idades!
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DEGOLA V - (Bagé 1993)
Cem anos de degredo
De si própria exilada
Em si mesma encurralada
pensamento tenta ocultar
memória volta lembrar
coração quer esquecer
Vida sacrificada
Ao poder-ódio-ambição!
As almas dos degolados
Voando pela cidade
Agarram pelas esquinas
Cabeças dos descuidados
Deixando-os tresloucados...
O burgo nisso pressente
Justiça-vingança-resgate.
Cumpre-se tácito trato...
De remorso, as cinco vintenas
foram, também catarse.
Cabeças decapitadas
derramam suas idéias
em nossos ares agora.


FONTE: PORTAL CÁ ESTAMOS NÓS

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